Blockchain
Blockchain para a vida tributária brasileira
Desde a instituição do quinto do pau-brasil até os dias atuais, recolher imposto nunca foi uma tarefa fácil. Em que pese a tecnologia ter auxiliado bastante através da implementação de softwares para resolução de obrigações tributárias online, o potencial da blockchain no sistema tributário será um verdadeiro tsunami frente à onda digital que estamos vivenciando.
Tal instrumento ganhou notoriedade com a bitcoin, que foi a primeira a utilizar essa tecnologia de registro distribuído de transações (distributed ledger). Em linhas gerais, através desta, qualquer transação pode ser negociada de forma segura e transparente1, com baixo risco de adulteração. Ademais, a esse novo modelo elimina a necessidade de um intermediário, uma vez que possibilita programar o acionamento de transações criptografadas automaticamente. Logo, diversas são as utilidades desse sistema, não se limitando às transações da criptomoeda.
Em dezembro do ano passado foram dados os primeiros passos para a reforma tributária, quando a câmara dos deputados aprovou a proposta de unificação de 9 impostos e tributos no Imposto Sobre Operações de Bens e Serviços (IBS)2. Com isso, o sistema de blockchain pode se tornar um facilitador nesse novo ordenamento tributário que está para emergir. Isso pois, tal sistema seria capaz de garantir que as informações dentro do sistema não foram manipuladas..
A falta de transparência do sistema tributário pátrio é um dos problemas que clamam por mudança no ordenamento jurídico, uma vez que isso é óbice para o cálculo preciso da quantia de tributos pagos pelos cidadãos. Fato esse que, acaba, ironicamente, servindo como instrumento “fomentador” da sonegação fiscal. Pois, se o contribuinte por um lado não sabe quanto tem que pagar, o Fisco, por outro, também não sabe quanto e se pode cobrar do contribuinte.
Sob este liame, a tecnologia blockchain surge como possível aparato auxiliador da fiscalização tributária, trazendo eficiência e redução de custos do sistema tributário. Dado que, as informações passariam a ser disponibilizadas e geradas na própria rede e não contaria diretamente com os contribuintes. Por exemplo, uma empresa x emitiria a nota para uma empresa y e, imediatamente, as informações tributárias seriam checadas e atualizadas em ambas as empresas e autoridades responsáveis.
Nesse sentido, em estudo, a firma Deloitte3 chegou a conclusão que a utilização do blockchain em transações envolvendo tributos de valor agregado (IVA)4 levaria (i) à redução do tempo para cálculo dos tributos, (ii) as transações a terem acompanhamento em tempo real,(iii) à redução dos riscos e fraudes das operações, e (iv) a maior transparência e visibilidade do sistema como um todo.
Somado a isso, já existem países que se aproveitam dessa tecnologia como forma de aprimoramento de seus segmentos tributários. Na China, por exemplo, já foi emitida a primeira nota fiscal com fatura eletrônica via rede blockchain, permitindo ao consumidor o gerenciamento de todas as etapas via WeChat, após a finalização da compra5. No cenário tradicional a emissão da fatura envolve diversas etapas complexas, fazendo com que o consumidor aguarde até que o comerciante gere a fatura, arquive-a com segurança, preencha um formulário de devolução no Departamento Financeiro, para que espere o retorno ser processado e receba as devoluções, contudo, por meio do sistema blockchain, tal operação se tornará muito mais simples e compreensível.
Ao encontro dessa tendência, em Luxemburgo, a Luxtrust em parceria com a Cambridge Blockchain desenvolveu uma plataforma de armazenamento de dados tanto de clientes quanto de empresas. Desse modo, instituições financeiras podem angariar novos clientes mais rapidamente e realizar verificações na própria rede6.
Da mesma maneira, o blockchain fornece a espinha dorsal do programa e-Estonia, que conecta serviços governamentais em uma única plataforma digital. O projeto integra uma vasta quantidade de dados confidenciais dos registros de saúde, judiciário, legislativo, segurança e códigos comerciais, que são armazenados em um livro-caixa para protegê-los de corrupção e uso indevido7.
Portanto, no momento de reformas que estamos para vivenciar, nos apoiar em exemplos internacionais e pensar na utilização da tecnologia de blockchain como um instrumento de fortalecimento de um possível sistema de tributação unificado se faz necessário. Isso pois, até então, as autoridades tributárias ainda não estão olhando para o blockchain como mecanismo de melhoria. Essas seguem preocupadas com a tributação e o momento de ocorrência do fato gerador quando da utilização da rede.
Como já havia afirmado Isaac Newton, “construímos muros demais e pontes de menos”. Portanto, nesse momento, no que se refere ao blockchain, é necessário que exista a mudança de mindset por parte das autoridades e da população, para que se possa enxergar todo o potencial que referida tecnologia, enquanto aparato para melhoria do ordenamento jurídico, pode oferecer. Isso para que seja possível construirmos pontes que nos levem adiante do muro de entraves criado para os avanços do nosso sistema tributário.
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1 Visto que todas as transações são rastreáveis e protegidas por criptografia.
2 https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/12/11/comissao-da-camara-aprova-texto-da-reforma-tributaria-projeto-unifica-9-impostos-e-tributos.ghtml (Acesso em: 02.01.19)
3 https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/pl/Documents/Reports/pl_Blockchain-technology-and-its-potential-in-taxes-2017-EN.PDF
4 “O Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) é um projeto do governo brasileiro que visa a substituição e unificação de outros impostos cobrados ao consumidor, em um único imposto, a partir de uma reforma tributária. Esse sistema tributário aplica sobre os bens e serviços, um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço oferecido, ou seja, uma porcentagem aplicada sobre o preço.”Fonte: https://www.dicionariofinanceiro.com/iva/ ( Acesso em 02.01.2019)
5 https://cointelegraph.com/news/china-issues-first-tax-authority-approved-invoice-on-blockchain
6 https://www.americanbanker.com/news/blockchain-startup-forms-partnership-to-develop-identity-platform
7 https://computerworld.com.br/2018/08/02/5-governos-que-ja-usam-blockchain/
Luiza Caldeira Leite Silva – Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Co-Fundadora e Ex-Presidente da Destro Consultoria Jurídica. Pesquisadora do Laboratório de Estudos Institucionais- LETACI e do Núcleo de pesquisa em Direito e Tecnologia no Lima ≡ Feigelson Advogados.
Isabelle da Nóbrega Rito Carneiro – Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Advogada especialista em inovações e novas tecnologias no escritório Vieira Rezende. Pesquisadora do Núcleo de pesquisa em Direito e Tecnologia no Lima ≡ Feigelson Advogados.
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